terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Post controverso - a questao do casamento homossexual


Este post vai ser gerador de grande controvérsia e sei que praticamente toda a gente se irá indignar com o que abaixo escrevo, mas acho que a devo transmitir, como um contributo, ainda que mínimo, para esta grande fase de mudança que actualmente vivemos em Portugal.

A semana passada saiu no Público a noticia de que a Igreja iria apelar a que os seus membros não votassem PS uma vez que uma das bandeiras propostas por José Sócrates é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por causa desse acontecimento, o programa de ontem dos Prós e contras foi inteiramente dedicado a essa discussão. De um lado membros da Igreja e outros apoiantes do não. Do outro lado um antropólogo e uma advogada entre outros apoiantes do sim, dos quais passo a salientar o presidente da ILGA e um jornalista.

No dia em que saiu a notícia sobre a posição e apelo público da Igreja católica algumas pessoas comentaram imediatamente comigo que a Igreja não tinha nada a haver com isto. O Estado é laico, a igreja não deve portanto influenciar nesta situação. A meu ver acho essas opiniões perigosas. È como se quiséssemos afastar todas as vozes que discordam da nossa opinião e dessa forma eliminar-mos logo à partida o debate e a discussão. O peso da Igreja é grande, mas ainda que fosse diminuto teria todo o direito de exprimir livremente a sua opinião. Ninguém deve ser discriminado pela sua orientação religiosa, coisa que por vezes tendemos a esquecer, bem como a liberdade de expressão, argumento tantas vezes utilizado para criticar a igreja e as suas crenças mas que nunca pode ser utilizado no sentido oposto. È portanto importante entender que Tolerância é um conceito que em sentido lato implica tolerar até quem não é tolerante. Portanto, se exigimos tolerância para aquilo que somos e fazemos, vamos demonstrar tolerância para com os que não nos toleram. Dessa forma ganhamos pontos de uma forma mais profunda e consciente.

Quanto ao debate do dia anterior antes de mais há umas coisas que quero salientar antes de me focar no assunto em si. Apesar de já ter assistido a debates mais inflamados e em que a má educação roçou os limites, julgo terem ocorrido momentos desnecessários, de ambas as partes.

Em primeiro lugar a representante do sim fez mais ruído do que outra coisa. Gritava, alegava inconstitucionalidades, interrompia quem se opunha ela, e fê-lo com alguma frequência, o que me aborreceu seriamente. Por outro lado o antropólogo foi sempre bastante educado, falando sempre de forma ordenada, calma, reflectida e consciente. Gostei dele, senti-me bem representado. Por outro lado uma outra senhora de casaco amarelo que estava na audiência cheia de maneirismos snobes dirigia-se à plateia do não com altivez com expressões semelhantes a “ pois se não sabem eu vou dar-vos a descobrir uma grande novidade! É que os gays já podem adoptar”. Não, os casais gays não podem adoptar. Os pais solteiros podem, são coisas bastante diferentes, não importando a sua orientação sexual para não violar o código civil. Houve um outro senhor, bem gordo e anafado, barbudo e de óculos com lentes de garrafão que falou inteligente e ponderadamente. Também gostei do seu contributo.

Da parte do não alguns abusos também se verificaram. Em primeiro lugar a tirada mais que infeliz de que no caso de a pessoa ser bissexual teria de casar ao mesmo tempo com um homem e uma mulher. Um argumento completamente despropositado, no entanto outros argumentos apresentados foram bastante coerentes. E, sendo franco, gostei do Senhor Padre e da forma diplomática como falou. E agora pergunta-se o prezado leitor: coerentes? Da bancada do não? E eu respondo: sim.

Façamos o seguinte exercício: Suponhamos que somos heterossexuais e que a nosso ver as relações homossexuais são consideradas anti naturais por motivos biológicos. Se a natureza fosse sempre homossexual nunca se teria expandido. Desta forma não haveria humanidade. Portanto os casos homossexuais são desvios, erros de programação, uma margem de erro de 5 a 10% na criação. Ora se está errado, eu não o tenho de considerar certo, pelo que imporem-me a aceitar que tais indivíduos merecem o meu reconhecimento no acesso aos meus direitos que eu disponho é completamente ridículo. São gays, muito bem, são pessoas aptas para desempenharem as suas tarefas como todas as outras, mas não merecem ter acesso a uma instituição que nunca foi criada por elas nem para elas. Coloquemo-nos nessa posição e os argumentos apresentados desses indivíduos farão todo o sentido. Se acreditam em Deus e no que a Bíblia defende, se para eles aquilo é a versão do correcto e perfeito, eu não tenho de os fazer mudar de ideias. Afinal de contas nunca ninguém viu Deus nem nunca ninguém veio do lado de lá dos mortos para contar se é verdade ou não. Para elas o casamento homossexual, ou a própria homossexualidade é tão imoral como é, e agora uso um exemplo extremo, o casamento incestuoso ou a liberalização a pratica pedófila como uma pratica normal e recorrente. Chocante não é? Sim é, portanto temos agora noção do que é ser homossexual para eles.

Desta forma, como reagir? Como apresentar que o casamento homossexual é um direito dos homossexuais? Como explicar que o indivíduo deve ter acesso às regalias que daí advêm junto do parceiro que escolheu para viver durante um longo período de tempo? A meu ver, não passa por tentar impor a nossa ideia de que assim é que é correcto e progressista. Não se trata de uma questão de progresso ou avanço de mentalidades. São valores morais que estão em discussão e como tal estes mudam de acordo com os tempos. Se actualmente a pena de morte e vista como algo errado, há cem anos não o era. Era uma pena justa para um pecado capital. O que muda é a nossa sensibilidade no que toca aos diversos casos da nossa humanidade. Queremos uma sociedade cada vez mais justa e igualitária: certo. Queremos uma sociedade em que ninguém é discriminado: certo. Mas queremos que a nossa ideia prevaleça em relação à dos outros: não é certo mas é quase certo. Se os fundamentalistas religiosos fossem apenas 10% da população num mundo amplamente igualitário e de repente viessem exigir que o casamento homossexual está errado, que o reconhecimento da homossexualidade é errado, etc o que lhes faríamos? Iríamos dizer que eles eram doentes, estavam completamente errados, eram fundamentalistas, destabilizadores da paz, retrógrados, pecadores, fascistas? Ou iríamos dar abertura ao diálogo, a uma tentativa de compreensão e de tolerância? Não sejamos hipócritas ao dizer de boca aberta que sim. Iríamos quanto muito pensar ligeiramente nessa possibilidade.

Chego ao fim deste grande post e os meus leitores provavelmente estarão a pontos de me odiar. Acho que contudo deve ser necessário explicitar desta forma as coisas. Nunca fui grande apologista de revoluções a ferro e fogo. Acho que as coisas levam tempo (e daí temos o exemplo do Dalai Lama) e as lutas são feitas de forma racional e consciente, de consciencialização. Não ganhamos pontos nenhuns com atitudes arrogantes de senhores do progresso ou da liberdade, com atitudes radicais ou chocantes, pelo contrário, Harvey Milk ganhou porque conseguiu mostrar que os homossexuais eram pessoas perfeitamente comuns e normais. Os nossos amigos sabem quem somos e convivem connosco. Talvez leve uma geração inteira para que nos aceitem na plenitude dos nosso direitos. É Muito tempo? Para nós talvez, mas olhem para a história e vão ver que vinte ou cinquenta anos comparados com milhões de existência são apenas segundos.

3 comentários:

Adão disse...

Concordo. Só acho que não podemos cair em fundamentalismos, no sentido de apontar diferenças e colocar de parte, aquilo que no fim não tem diferença nenhuma.

myotherside disse...

o post é sem duvida contorveso, alias toda a temática o é... mas eu percebo um pouco o que queres dizer e nao discordo no geral, eu tambem nao gosto de "ser representado" por fundamentalistas ou extremistas, eu acredito que a soluçao chega lá com o diálogo de ambas as partes. Eu vi esta tarde o debate pela net e fiquei chocado com algumas intervençoes, mas senti que ficou muita coisa realmente importante para dizer, mas é sempre assim... Quanto À senhora de casaco amarelo ela é Fernanda Câncio, a suposta namorada do nosso primeiro ministro, e tem sido uma das principais vozes do sim, e da defesa dos direitos dos homossexuais, recebendo já um prémio da ILGA. Depois de pesquisar um pouco descobri um texto de que ela é co-autora e o qual partilho aqui para verem o quão longe nós estamos da igualdade ou do respeito pela diferença, é chocante e revoltante.
http://dn.sapo.pt/2005/03/26/sociedade/os_paneleiros_hadem_morrer_todos.html/

Sobre o que ela disse é verdade e acho que estás enganado, eu enquanto homossexual posso adoptar uma criança, o facto de ser homossexual não é factor de exclusão, ao contrário do que acontece com o facto de ser dador de sangue em que esse critério é decisivo e lamento que não tenha sido referido...

Joni C. disse...

Apesar de discordar em alguns pontos, concordo em grade parte com o que foi referido no post. O assunto não só é delicado e contoverso... é também gerador de muita polémica. Lamento muito não ter assistido ao 'Prós & Contras' desta semana mas talvez tenha sido melhor assim porque costumo enervar-me quase sempre que vejo e acho que este debate não seria excepção. Penso que este assunto não deve ser tratado de ânimo leve e que as pessoas devem estar devidamente documentadas e terem uma opinião formada bem fundamentada antes de falarem, caso contrário só vai dar 'barraca'.
Como não me sinto ainda à vontade para expressar a minha opinião sobre o assunto, irei fazer mais alguma pesquisa sobre tal para que possa defender a visão sem entrar em extremismos ou cair numa complacência excessiva. Assim que chegar a alguma conclusão faço-vos chegar a minha opinião. Sem mais assunto de momento,
João Cardoso